Em entrevista à agência Lusa, o jurista e professor de Direito na Cardozo School of Law, em Nova Iorque, disse que o ataque do Presidente dos Estados Unidos ao poder judicial "é cruel e imprudente" e "certamente visa intimidar os juízes". 

"Além disso, o Presidente deve estar bem ciente de que a sua linguagem extrema pode incitar a uma conduta violenta (...). Embora ele possa negar que essa seja sua intenção, tal negação parece desonesta", acrescentou Rudenstine, referindo-se a ameaças 'online' que têm sido feitas contra juízes - e suas respetivas famílias - por contrariarem ordens de Trump. 

Os tribunais federais estão atualmente a julgar mais de uma centena de ações judiciais contra as medidas de Donald Trump, muitas delas relacionadas com a imigração. 

Desde que as políticas de Trump começaram a enfrentar barreiras legais, os assessores e apoiantes do Presidente entraram numa cruzada contra juízes e escritórios de advogados, questionando diariamente a legitimidade do sistema judicial norte-americano.  

Nesse sentido, Donald Trump ameaçou no passado fim de semana tomar medidas contra advogados e equipas jurídicas que apresentem ações judiciais contra as medidas migratórias adotadas pelo seu Governo, que, por sua vez, passaram a relatar um clima de intimidação. 

De acordo com David Rudenstine, o que está em risco é "a linha de frente do Estado de Direito".  

"Advogados e juízes são essenciais para o Estado de Direito. Um sistema democrático robusto exige que os advogados estejam dispostos a assumir questões controversas, a serem os pilares de indivíduos e a procurarem em seu nome proteções baseadas na Constituição. Os juízes precisam de ser protegidos de ameaças de todos os tipos para que possam manter a lei sem medo ou favor", frisou o professor de direito constitucional. 

"Sem essa dinâmica em ação, o compromisso de uma sociedade com o Estado de Direito fica gravemente enfraquecido", reforçou. 

Face ao "clima de intimidação" que se instalou no país, Brad Karp, presidente de um importante escritório de advogados - associado a rivais políticos do líder republicano -, decidiu fechar um acordo com Donald Trump para evitar retaliações anunciadas pelo chefe de Estado. 

Num e-mail enviado a colegas, Karp admitiu que decidiu alinhar-se com Trump porque a retaliação anunciada pela Casa Branca (presidência norte-americana) "poderia facilmente ter destruído" o seu escritório e tirá-lo do mercado.  

Esse alinhamento desencadeou uma intensa reação negativa dentro da comunidade jurídica, com advogados a criticar o escritório por ceder a Trump em vez de enfrentá-lo. 

David Rudenstine disse à Lusa que Trump "pode muito bem levar as normas constitucionais ao limite do precipício". 

Questionado sobre o que pode impedir Trump de fazê-lo, o jurista apontou para a pressão do eleitorado contra o "poder presidencial imprudente". 

"O público pode impor-se e colocar uma enorme pressão sobre a administração e os membros da Câmara dos Representantes e do Senado [câmaras baixa e alta do Congresso] para cessar esse ataque frontal. Essa seria uma força contrária ao poder presidencial imprudente", observou. 

A outra força que poderia intervir contra tal ataque é o próprio sistema judicial, indicou o académico. 

"Claro que o Presidente pode ignorar as ordens judiciais (...), mas essa desobediência indisfarçável de uma ordem judicial constituiria um fim abrupto à ordem constitucional como esta nação a conhece há mais de dois séculos", sublinhou Rudenstine. 

Além dos ataques ao sistema judicial, Trump tem fomentado rumores de uma possível candidatura a um terceiro mandato, o que seria uma violação da Constituição do país que prevê um máximo de dois mandatos.

David Rudenstine não tem dúvidas de que, se esse dia chegar e Trump for bem-sucedido através da força, a "Constituição de 1789 estará morta". 

"Donald Trump não tem autoridade para alterar a Constituição. A Constituição é a lei suprema da lei, e agora limita Trump a dois mandatos. Se Trump usasse a força militar para permanecer no cargo além de dois mandatos e, assim, se recusasse a deixar o cargo sem que a Constituição fosse devidamente emendada, tal situação significaria que a Constituição de 1789 estaria morta", concluiu, em entrevista à Lusa. 

 

MYMM // SCA

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