
A cirurgia metabólica é o tratamento mais eficaz no controlo da obesidade e das doenças metabólicas associadas como a diabetes tipo 2. Anualmente, efetuam-se mais de meio milhão de cirurgias em todo o mundo e a sua grande maioria em mulheres, nomeadamente em idade reprodutiva. A necessidade de ajuste da contraceção é, muitas vezes, negligenciada, o que pode resultar em gravidezes não desejadas. É, pois, importante falar acerca do tema e preparar antecipadamente a mulher para que possa viver a sua vida reprodutiva em toda a plenitude, sem riscos e com total autonomia.
Após a cirurgia metabólica ocorrem mudanças significativas no organismo, com uma reorganização anatómica e fisiológica. A perda de peso rápida, as alterações hormonais e a manipulação do tubo digestivo, podem reduzir a absorção e diminuir a eficácia dos métodos contracetivos tradicionais, sobretudo os que dependem da via oral (pílulas). As recomendações internacionais, apesar da falta de estudos dirigidos ao assunto, recomendam a opção por métodos contracetivos que não dependam da via oral, sugerindo a utilização de métodos de barreira (preservativo, por exemplo) ou dispositivos uterinos. Não existe evidência científica que permita concluir sobre a absorção ou a eficácia dos anticoncecionais orais em mulheres submetidas às cirurgias metabólicas modernas, no entanto, o risco de uma gravidez precoce justifica a opção por outros métodos ou mesmo pela utilização de procedimentos combinados, pelo menos nos primeiros 12-18 meses após a cirurgia.
Este período, caracterizado por rápidas mudanças no peso e no equilíbrio corporal, pode estar associado a défices nutricionais e alterações do padrão de funcionamento gastrointestinal. Estas modificações podem comprometer o aporte de nutrientes e, consequentemente, o desenvolvimento de um feto, pelo que não é recomendada a gravidez até à estabilização do peso. Por outro lado, as alterações hormonais e a normalização da função dos ovários podem levar a um aumento súbito da fertilidade, pelo que a necessidade de uma contraceção adequada torna-se ainda mais premente.
A escolha do método contracetivo ideal deve levar em conta vários fatores, tais como o tipo de cirurgia efetuada, a conveniência, a eficácia e a segurança para a saúde. Esta escolha deve ser devidamente pensada e ponderada, idealmente antes da realização de uma cirurgia metabólica. A utilização de um dispositivo uterino, por exemplo, requer alguma habituação pelo organismo, pelo que deve ser feita alguns meses antes de uma cirurgia metabólica. Por outro lado, a utilização de pílulas orais pode aumentar o risco de uma complicação trombótica após a cirurgia, especialmente se a sua introdução for recente. As alternativas devem ser consideradas e discutidas sempre com a equipa médica, o mais cedo possível.
Além dos aspetos fisiológicos, a decisão sobre a contraceção após a cirurgia metabólica envolve também uma dimensão psicológica e emocional. A mulher pode sentir-se ansiosa face às mudanças no seu corpo e às incertezas sobre a fertilidade futura. Por isso, o aconselhamento psicológico torna-se uma ferramenta indispensável para apoiar a paciente nesta fase de transição. O diálogo aberto é fundamental para esclarecer dúvidas e definir expectativas realistas quanto à recuperação e à qualidade de vida.
Em suma, a contraceção após a cirurgia metabólica é um tema complexo que exige uma abordagem personalizada e integrada. As alterações fisiológicas e hormonais que acompanham a perda de peso e a modificação do sistema digestivo implicam uma reavaliação cuidadosa dos métodos contracetivos, de forma a garantir a segurança e a eficácia na prevenção de gravidezes indesejadas. Num contexto em que a saúde integral da mulher é uma prioridade, o investimento num acompanhamento multidisciplinar revela-se essencial para uma recuperação bem-sucedida e para a manutenção do bem-estar, a longo prazo.
Gil faria é cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo e Coordenador dos Centros de Tratamento da Obesidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Grupo Trofa Saúde. É também Professor da FMUP e investigador clínico na área da Cirurgia Metabólica e Obesidade.
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