Desde a madrugada de hoje que os peregrinos percorrem de joelhos o Campo de São Francisco, nos Açores, cumprindo promessas ao Santo Cristo dos Milagres, iniciando às primeiras horas do dia o trajeto, movidos pela fé que "apaga a dor".

Tânia Tavares, acompanhada pela filha, chega todos os anos muito cedo ao Campo de São Francisco, em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel.

É o quarto ano consecutivo em que faz o percurso de joelhos para cumprir a sua promessa por altura das festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, que decorrem na cidade de Ponta Delgada.

"Vim logo de manhã. Prefiro. Mas, este ano tem muitos peregrinos desde muito cedo", conta à agência Lusa, junto ao posto de atendimento, onde ao início da manhã eram às dezenas os peregrinos (homens e mulheres) que iam recebendo assistência para o tratamento e limpeza das feridas nos joelhos e nos pés.

Tânia Tavares admite que é um trajeto "duro", mas garante: "A fé apaga a dor. É uma promessa que fiz ao Santo Cristo".

Há cada vez mais fiéis que preferem iniciar o trajeto nas primeiras horas do dia, evitando o calor e para encontrar no silêncio "algum alívio" para a "dureza" do percurso.

Hélio Miranda relata à Lusa que já cumpre uma promessa de joelhos "há três anos consecutivos".

"É um pouco duro. É uma promessa e, enquanto puder, eu faço. Venho mais cedo, porque assim a calçada está mais fresca", diz.

Também Elisabete Silva, residente e natural da ilha de São Miguel, opta por fazer a sua promessa de joelhos "bem cedo.

"Eram 07:30 da manhã e já tinha percorrido o Campo. Decidi vir muito cedo, porque é mais fresco. E, para andar de joelhos o chão não está quente a esta hora", explica.

Cumpre a promessa há 23 anos por causa da filha, que nasceu "com graves complicações de saúde".

"Prometi que, se ela sobrevivesse, fazia isto enquanto pudesse", refere, antes de receber assistência no posto de atendimento ao peregrino, junto ao Santuário da Esperança, admitindo que este ano sentiu "mais dores" no percurso.

Márcia Silva cumpre este ano, pela primeira vez, a sua promessa em redor do Campo de São Francisco e garante que "não custou nada", vincando que "a fé move todos os peregrinos".

"Não custou nada. Correu bem. E cumpri a minha promessa ao Senhor Santo Cristo dos Milagres", afirma à Lusa emocionada.

Muitos dos fieis optam por cumprir a promessa sozinhos, mas alguns fazem o trajeto acompanhados por familiares ou por amigos, que caminham a seu lado.

Além de percorreram de joelhos e, nalguns casos apoiados com as mãos no chão, eram muitos os fieis que faziam o percurso carregando círios (velas).

No posto de atendimento ao peregrino "não se cuida só da ferida, porque também se trata a alma", assegura a enfermeira Tânia Sousa, que integra a equipa do projeto "A Fé que nos Move", das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus da Casa de Saúde Nossa Senhora da Conceição.

"É um projeto que, desde 2019, se baseia essencialmente no cuidado, na espiritualidade e na solidariedade", sublinha Tânia Sousa, em declarações à Lusa.

A equipa está no terreno desde as 04:00 da manhã e presta assistência a centenas de peregrinos.

Tânia Sousa destaca que o ambiente mais calmo durante a madrugada, e às primeiras horas da manhã, tem vindo a atrair cada vez mais peregrinos.

"Temo-nos apercebido, ao longo dos anos, que tem vindo a haver uma maior adesão no período noturno. A calçada também está mais fresca. O ambiente é mais sereno e notamos que as pessoas procuram, o mais cedo possível, cumprir a sua promessa", adianta.

Neste dia "da promessa e dia do peregrino", assegura que a equipa de colaboradores "dinamiza, de forma voluntária, com grande afeto e com grande proximidade" este cuidado aos fieis.

"Vamos para além daquilo que é uma assistência física. Tentamos ir ao encontro das necessidades espirituais, de um acolhimento libertador, de uma escuta ativa, de uma proximidade, porque, na verdade, mais do que a dor física, há aqui uma dor da alma. Uma dor de preocupação e a pessoa vem à procura de uma esperança, de fé", sublinha Tânia Sousa.

O atendimento ao peregrino procura "ir ao encontro das necessidades espirituais, acolher, escutar. Mais do que a dor física, há aqui uma dor da alma", acrescenta.

Hoje realiza-se à tarde o cortejo da mudança da imagem do Santo Cristo em redor do Campo de São Francisco e, no domingo a procissão, que percorrerá, durante horas, alguns quilómetros das ruas da cidade de Ponta Delgada, o ponto alto dos festejos.

As festas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres, também consideradas a segunda maior manifestação religiosa do país depois das peregrinações a Fátima, decorrem até quinta-feira (29 de maio) na cidade de Ponta Delgada.