Considerando as últimas eleições legislativas, em Março do ano passado, e as actuais, há três coisas que mudaram: o governo, a situação do primeiro-ministro e o mundo. A caminho de 18 de Maio, discute-se muito a segunda, um pouco a primeira e praticamente nada a última. E, no entanto, vote-se em quem se votar, ganhe quem ganhar, é capaz de ser a diferença que faz mais diferença.

O mundo mudou radical e aceleradamente nos últimos anos e meses. A Europa anunciou que ia mudar por mote próprio, está a mudar por causa das eleições em vários Estados membros, e está obrigada a mudar por pressão externa. Portugal, parece viver noutro lugar, imune a esses detalhes da realidade. Não vive.

Desde as últimas eleições legislativas, foi publicado o Relatório Letta, que pede mais mercado interno na União Europeia, o relatório Draghi, que pede mais competitividade europeia, com algumas medidas potencialmente divisivas, e o relatório Niinisto, sobre segurança e defesa, que é o ponto de partida para as propostas mais recentes da Comissão Europeia e que dá contexto ao que alguns governos estão a sugerir.

Além dos relatórios, houve algumas eleições que correm o risco de ter várias consequências. Para começar, Trump, com uma política comercial disruptiva e agressiva, e uma administração que por um lado ameaça a Europa e os aliados na NATO (a Europa foi feita para “lixar” os Estados Unidos e Gronelândia, por exemplo). Além disso, traiu a Ucrânia, finalmente parece estar a perceber que foi gozado por Putin (ou não, um elogio de Moscovo e o ego do ocupante da Casa Branca é capaz de se excitar com Vladimir), e faz com que os europeus reconsiderem o modelo de redução da dependência da China. No mínimo, sem ficarem completamente dependentes (mais, ainda) dos Estados Unidos. Queremos isso?

Além disso, ao contrário do que alguns acreditavam, a administração Trump não está nada desinteressada da Europa. Pelo contrário. Mas mudaram os amigos europeus destes americanos. J.D. Vance, Marc Rubio e Elon Musk, apoiam empenhadamente os partidos extremistas, populistas, nacionalistas, anti-Ucrânia, pró-Moscovo, pró-Putin e iliberais, em França, na Alemanha, na Hungria, em Itália e na Roménia. Se depender da América, a Europa será governada por gente de extrema-direita ou quase. Mas há quem ache isso muito bom porque pelo menos não há ideologia de género. Prioridades.

Na Alemanha, a vitória da CDU e a entrada em cena do novo chanceler, que diz que a Alemanha está de volta, com milhares de milhões para gastar em defesa; no Reino Unido, que se está a aproximar da Europa, o partido de Nigel Farage vai discretamente (ou já nem isso) ganhando votos. Um destes dias ganha o poder? Isso preocupa-nos? Faz-nos pensar em estratégias? Em França, Le Pen pode ser uma mártir eleitoral da Justiça.

Para a segurança da Europa, contamos com o rearmamento da Alemanha, a liderança militar de França e a fiabilidade de Itália. Será uma boa ideia ou há riscos?

Claro que esperar que entre bifanas e beijos haja um momento de debate profundo e circunspecto é muito pouco sincero e sério. Pelo menos para quem já tenha visto mais que duas ou três campanhas eleitorais. Mas entre arruadas, comícios e questões pessoais, não era impossível fazer umas perguntas importantes e eventualmente difíceis aos candidatos. Querem ideias? Além de umas de há um ano, cá vão outras quantas:

Portugal vai gastar quanto em segurança e defesa? Em quê? E esse dinheiro virá de onde? E é para admitir comprar aviões militares a outros fornecedores que não os americanos? Se a NATO acabar, fazemos o quê? Estamos preocupados com os Açores, neste contexto? E para a Ucrânia, mandariam tropas?

O que quer Portugal da revisão do quadro financeiro plurianual da UE (dos fundos europeus)? Queremos que os outros dêem mais e nós recebamos mais, eu sei. Não sendo possível, estamos a pensar o quê?

Se houver mais liberdade de distribuição nacional dos fundos europeus, quais serão as prioridades portuguesas? E como se faz para aumentar a participação de empresas portuguesas nos fundos geridos em Bruxelas para financiar inovação e competitividade?

A favor ou contra os alargamentos? A que países? Em que ritmo? E como lidaremos com as consequências?

Quais as prioridades de Portugal nas medidas propostas por Drgahi?

Isso da Inteligência Artificial é para ser regulado por Bruxelas ou por cada Estado membro (pergunta rasteira, não há como serem os países europeus a regular o tema individualmente)?

A favor da marcha-atrás da actual Comissão Europeia face a propostas da anterior Comissão Europeia, que também era liderada por Von der Leyen?

Devemos rever a relação com a China? De que maneira? Flexibilizamos? Aproximamos? Afastamo-nos como, com ou apesar dos Estados Unidos?

O que podemos e queremos oferecer aos britânicos para desfazer um pouco do Brexit?

Acreditamos no comércio internacional? Ainda acreditamos na globalização? Como é que fica o impulso para mais acordos comerciais com quem também é vítima das “tarifas” de Trump?

Achamos que é boa ideia atrair talento, empresarial, científico, artístico dos Estados Unidos para a Europa? E estamos disponíveis para pagar as consequências de uma eventual migração com impacto de americanos para Lisboa, Porto, Cascais e mais uns lugares com habitação a preços incríveis? Ou preferimos orgulhosa e pobremente sós?

Já que temos outras vez eleições, e entretanto o mundo mudou bastante mais que Portugal, podíamos fazer umas perguntas sobre o assunto.