
A carreira de Nico Hulkenberg na Fórmula 1 era, até ao último domingo, feita de quases. Em 2012, quando terminava a sua segunda época completa - estreou-se em 2010 pela Williams, antes de um ano como piloto-reserva da Force India -, um safety car incoveniente e uma penalização retiraram-lhe o que seria o seu primeiro pódio, no GP Brasil. Em 2016, no Mónaco, foi uma paragem na box em má altura, deixando-o preso no tráfego, a estragar-lhe os planos. No mesmo ano, de novo em Interlagos, cheirava o pódio quando furou. Em 2017, em Singapura, foi mais um safety car a impedir um bom resultado. E em 2019, em casa, tinha tudo para terminar nos três primeiros do GP Alemanha, quando se despistou, num Grande Prémio marcado pela chuva e carregado de desistências.
E assim se passaram 239 corridas para o alemão. Mas os quases deixaram-no de o ser: este domingo, quase a completar 38 anos, Nico Hulkenberg foi um inesperado 3.º classificado no GP Grã-Bretanha, festejando no pódio ao lado de Lando Norris e Oscar Piastri, da McLaren. Terminou assim, surpreendentemente, um dos recordes menos simpáticos da Fórmula 1, um daqueles que ninguém quer reservar para si: o de piloto com mais Grandes Prémios disputados sem subir ao pódio.
Em 2010, Nico Hulkenberg chegou à Fórmula 1 com cara de garoto e aura de novo Michael Schumacher, assim vaticinava Willi Weber, mítico empresário que representava ambos. Fora campeão de GP2 no ano anterior enquanto rookie, igualando os feitos de Nico Rosberg e de Lewis Hamilton. O futuro era risonho. Logo na primeira época, conseguiu uma surpreendente pole position para uma Williams então pouco competitiva. Hulkenberg sempre foi rápido e um piloto que dava garantias de competitividade, mas viu-se, aqui e ali, mais por razões financeiras do que de desempenho, sem volante. Mas manteve-se sempre no radar da Fórmula 1 ao longo destes 15 anos, fosse como piloto oficial ou de reserva. Em 2015, dando provas da sua capacidade multidisciplinar, foi campeão das 24 Horas de Le Mans, pela Porsche. Só o pódio na Fórmula 1 é que não chegava.
Em 2020, quando foi dispensado pela Renault, pensou-se que a carreira de Hulkenberg na Fórmula 1 estivesse terminada e que o alemão se iria despedir sem conseguir dar cabo desse funesto recorde. Porém, nas três épocas seguintes, as aleatoriedades da covid-19 abriram-lhe as portas em várias corridas pela Racing Point e Aston Martin, equipas que apreciavam a sua experiência e capacidade de assumir um volante à última hora. E o que mostrou nessas oportunidades valeram novo convite em 2023 para ser piloto de Fórmula 1 a tempo inteiro. A Haas necessitava de alguém calejado, depois de uma aposta falhada em jovens. Hulkenberg foi a escolha.
Um pódio, finalmente
Um salto para 2025. Depois de duas boas épocas na Haas, aos 37 anos Nico Hulkenberg mudou-se para a Sauber. Mais do que um piloto coeso, serviria como uma espécie de portador germânico do testemunho na transição para a Audi, que comprou a estrutura suíça para entrar na Fórmula 1 em 2026. Num dos carros menos competitivos da grelha, ninguém esperaria mais de Hulkenberg do que bom feedback e alguns ocasionais pontos.
Mas, por vezes, a Fórmula 1 não se rege pela lógica. Em Silverstone, este fim de semana, o domingo amanheceu britanicamente, recebendo os pilotos com chuva de primavera. O Grande Prémio foi, previsivelmente, caótico. O safety car teve dia agitado, entre as várias batidas e a chuva desmedida, e nas boxes foi um afã de entradas e saídas para tocar de pneus, entre os intermédios e os slicks. E no meio de toda esta bagunça, das condições instáveis, numa pista cheia de curvas de alta velocidade, prevaleceram as estratégias e a experiência dos pilotos - os cinco desistentes da corrida são rookies, entre estes só Oliver Bearman terminou -, com Hulkenberg, que partiu de penúltimo, a escalar até aos primeiros lugares depois da torre de controlo do seu lada da garagem na Sauber acertar todas as decisões críticas, fosse de paragem ou de troca de pneus.
Nas derradeiras voltas, e com Lewis Hamilton a aproximar-se, Hulkenberg ainda temeu que a bola batesse na barra novamente - tinha três quartos lugares como melhores resultados - mas uma última operação perfeita nas boxes, mais uma, por parte da Sauber deixou o Ferrari número 44 longe o suficiente para afastar o perigo. Sempre calmo, sem cometer erros numa pista traiçoeira, cuidando bem dos pneus intermédios e trocando no momento certo para slicks, o pódio, o primeiro para a Sauber desde 2012, não chegou sem incredulidade.
“Eu acho que não compreendo ainda o que acabámos de fazer”, confessou no rádio para a equipa logo após receber a bandeira de xadrez, sem gritos ou choros, como que ainda atónito pelo feito que demorou mais de 230 corridas a chegar.
Mais tarde, o alemão confessaria que, ao longo dos anos, nunca deixou de ter esperanças num pódio, mesmo nunca tendo estado numa equipa dita candidata a vitórias e a títulos. Essa esperança é ainda mais admirável quando nas suas mãos está um frágil Sauber, que levou aos pontos nas quatro últimas provas. “Sempre soube que tinha isto dentro de mim, algures”, apontou, revelando que até ao último pit stop estava “em negação” e que só quando viu Hamilton bem longe nas últimas voltas percebeu que iria, por fim, deitar abaixo o recorde que tanto marcou a sua carreira.
“Sinto-me feliz, aliviado, mas também vazio neste momento porque foi uma montanha-russa de emoções este fim de semana, depois de ser virtualmente último no sábado, um dia muito mau, ao que se seguiu um dos melhores dias da minha carreira”, confessou ainda o piloto alemão. “Foi um thriller, porque estás sempre quase a perder o carro, em zonas de perigo, foi muito intenso”, frisou ainda, antes de admitir o cansaço e a vontade de “para casa”.
Em casa e com um peso sacado das costas da maneira mais inesperada e épica possível. De tal forma que teve de ser a Mercedes a providenciar o champanhe para a Sauber estender os seus festejos.