O áudio que alguém deu à luz, o polémico áudio, está carregado de impropérios. Desbastados os palavrões, é em suma um queixume de Bruno Lage. “Quando a gente tem jogadores e a trocar a bola, a gente dá três toques e perde a bola. Vocês acham que não dói como o car**** estar ali a analisar jogos? Fazer um jogo como fizemos com o Barcelona e depois dar dois penáltis e uma carambola? Nos últimos cinco jogos sofrer golos de bola parada que ninguém salta? Como é que eu mudo esta m****, meu?”, são algumas frases ouvidas do leak que apareceu a circular este domingo, na manhã seguinte ao Benfica perder em Rio Maior, contra o Casa Pia.

Após a derrota - a terceira na Liga desde que assumiu o cargo, há quatro meses, sucedendo a Roger Schmidt -, o treinador dispôs-se a ir falar com dezenas de adeptos que esperavam a saída da equipa junto ao autocarro, berrando gritos de contestação. Com uma câmara por perto a filmar tudo, Bruno Lage foi falar com eles e disse: “Ajudem-me que eu vou resolver esta me***.” Antes, na conferência de imprensa pós-jogo, o campeão nacional pelos encarnados em 2018/19 admitiu estar “irritado” com os “demasiados erros” cometidos pela equipa.

Esta parte é factual, aconteceu entre o técnico e um grupo de pessoas, está gravada em vídeo. O que surgiu depois, no áudio que não se sabe quem o captou, quando o fez, em que contexto foi feito, nem quais as pessoas que estavam com Lage nesse momento em que o treinador, entre todos os palavrões, critica jogadores e queixa-se dos valores por que foram comprados. Noticiou-se que a conversa na qual falou diretamente dos jogadores e subliminarmente de quem gere o clube teria sido já na garagem do Estádio da Luz, à chegada da equipa a Lisboa.

“Não é de um dia para o outro, car****. Não se muda! Não se pode meter estes gajos que valem 20 milhões lá no pacote e depois são vendidos por 5. E depois vamos comprar jogadores onde, car****?”, ouve-se também na sua voz exaltada na dita mensagem de áudio, que não ajudou à pacificação dos ânimos após o resultado que deixou o Sporting aumentar para seis pontos a vantagem na liderança do campeonato.

Do nada, já este domingo, foi marcada uma conferência de imprensa no Seixal, invocando de repente memórias de setembro último, quando outro evento destes, marcado inopinadamente para o centro de treinos do clube, serviu para anunciar o despedimento do treinador, então Roger Schmidt. Não desta vez.

“Esta conferência deve-se exatamente a uma conversa que eu pensava privada com um conjunto de adeptos que esperava a chegada a Lisboa. Fui ter com os adeptos da mesma forma como quando ganhamos troféus. Senti a desilusão dos adeptos, quer na conferência de imprensa, que à saída, no autocarro. Depois, uma longa conversa de 30 minutos com os adeptos que estava à nossa espera. Veio a público, estamos aqui hoje para esclarecer tudo”, disse o treinador, cara de poucos amigos, quando surgiu na sala para aceitar perguntas.

Numa aparição destinada, como indicou, a explicar e clarificar, Bruno Lage quis antecipar-se a questões, dizendo saber quais eram e interrompendo os jornalistas. Surgiu com uma cábula em papel, com apontamentos. Por vezes, limitou-se quase a repetir o que se ouviu no tal áudio que veio a público. E as perguntas, ou alguns dos tópicos, acabaram por ser estes:



Falou com o Rui Costa?

“Falámos e a nossa intenção foi vir aqui esclarecer o significado daquele áudio. A confiança é mútua.”

Não esteve a atribuir responsabilidades na conversa com os adeptos?

“Que fique muito claro: a responsabilidade do resultado de ontem e do insucesso é do treinador. Agora, a minha exigência para com os jogadores tem de ser máximo. Vou-me socorrer dos meus apontamentos. Há uma frase solta de um áudio, de minuto e meio, que vem de uma longa conversa de 30 minutos. Aquilo que disse da situação de [os jogadores] não saltarem, vem no contexto da conferência de imprensa. Uma equipa que chega em 1.º lugar não pode sofrer os golos que temos sofrido. Nunca foi para referir que os jogadores não correm ou não saltam. Antes de isto ser conversado com os adeptos é tudo apontado com os jogadores. Temos de continuar a trabalhar.

A questão dos €20 milhões e dos €5 milhões vem de uma tentativa de explicar que as coisas do mercado não funcionam assim, não se pode tirar um jogador de €20 milhões, que vale como exemplo, de um plantel com valor de mercado de €5 milhões. Como é que um clube, se quer vender algum jogador, tem condições para receber o valor investido em determinado jogador para contratar outro?”

Enquanto treinador português, que conhece a frase como ninguém, sinto que, alinhado com as três pessoas que estão aqui, fazer os ajustes necessários para sermos ainda mais competentes. Acredito muito no plantel, tem muita qualidade, mas temos competência para os fazer crescer. E temos 15 dias para trabalhar nesse sentido.”

O clima de instabilidade

“Vem dos resultados. O mais importante é que estamos juntos, há um sentimento de união muito grande, temos consciência do trabalho que temos de fazer. Já fizemos alguns jogadores chegarem ao patamar de exigência que acho muito bons, outros temos de continuar a trabalhar para chegarem até nós. Os resultados é que vão dando estabilidade a jogarmos de três em três dias. Um treinador que entende muito bem a casa, que sabe a exigência do Benfica, percebe perfeitamente como tem de ajudar os jogadores a evoluir para eles perceberem o que é representar o Benfica.”

Sente confiança dos adeptos?

“Senti que foi uma conversa muito boa e espero que seja nesse sentido. Esta tem de ser uma conversa para todos os benfiquistas. Estava muito seguro do que estava a dizer, vocês só ouviram um minuto e meio de áudio fora do contexto. Foi importante a união dos adeptos no título, no 37, que ajudei a conquistar [em 2019]. O quanto eu sofri com isso na pandemia, em que não senti esta pressão, nem o apoio dos adeptos. Só eu sei o que passei por jogar em estádios vazios. Com controlo emocional absoluto da minha parte, não quis passar pelos adeptos sem lhes dizer uma palavra. Quis passar confiança, para continuarem a apoiar.”

O áudio mina a confiança dos jogadores no treinador?

“Não, sabe porquê? O que disse no áudio já o tinha dito na conferência, e mais: já tinha falado com os jogadores sobre isso. Eles sabem, também sofrem com isso. Têm conhecimento do trabalho que tiveram de fazer, o quanto custou passarem para o 1.º lugar. Fazemos todos uma análise crítica. A forma como temos sofrido os golos não é de uma equipa que quer vencer provas. Enquanto treinador, é essa a exigência que eu passo.”

Disse que a equipa “não dava três toques seguidos” na bola

“Uma vez mais, fazer o contexto: quem faz o jogos que fizemos, pelo menos os últimos quatro - Braga, Sporting, Famalicão, Barcelona - fazer os primeiros 30 minutos com o Casa Pia, e depois perder o controlo do jogo, sem conseguir dar três toques seguidos e permitir muitas transições ao adversário… São tudo situações de uma longa conversa. Mal seria o treinador que tem visto esta equipa a jogar, já fez bons resultados, provou que sabe jogar bem sob pressão, vir dizer que a equipa não sabe dar três toques seguidos. Veio de um contexto, particularmente da segunda parte de ontem.”