
Que Armand Duplantis vai ganhar cada prova em que decida entrar, já é uma questão do campo do inevitável, mais até que os impostos.
O bicampeão olímpico do salto com vara é um desses atletas geracionais, que aparecem muito de vez em quando, talvez o mais dominador do atletismo atual, olhemos nós para as disciplinas que queiramos olhar. Quando ele está, os outros limitam-se a mirar para o 2.º lugar, também conhecido agora na vara como o primeiro lugar dos não extraterrestres, embora saibamos bem que Mondo, como todos o tratam, não nasceu em Marte ou numa qualquer galáxia distante, mas sim na cidade de Lafayette, no estado norte-americano do Luisiana, embora o vejamos quase sempre a voar com aquele amarelo berrante da cruz da bandeira da Suécia, pátria da sua mãe. E agora voa um bocadinho mais alto do que quando, em menino, já arriscava pegar numa vara para saltar num colchão improvisado no quintal de casa.
Não foi diferente este sábado em Nanjing, que por estes dias recebe os Mundiais indoor de atletismo. Duplantis ganhou, claro está, no seu terceiro ouro consecutivo na prova. Isso não é notícia, é só fatal. Notícia, isso sim, é que desta vez Duplantis não se aventurou a bater mais um recorde mundial, como aconteceu no último verão nos Jogos de Paris, numa dessas imagens de comunhão entre atleta, público e peso histórico que aparecerá inevitavelmente nas listas de melhores momentos olímpicos dos nossos tempos.
A expectativa existia até porque, há um mês, Mondo, de 25 anos, voltou, que nem formiguinha, a elevar mais um centímetro a fasquia, colocando-a nos 6.27 metros - foi a 11.ª vez que o fez e fá-lo sempre aos niquinhos porque há chorudos prémios, que podem chegar a 100 mil euros, cada vez que bate o recorde do mundo. E sabe-se que o sueco aprecia dar espectáculo nos grandes palcos: recordes batidos nos Mundiais ao ar livre de Eugene, em 2022, além de Paris há um ano, fazem parte da sua lista de grandes exibições.
Mas não. Este sábado, Duplantis limitou-se a ganhar.
E até pareceu humano, como algum de nós, pelo menos o grupo de seres humanos que compete no salto com vara. Numa altura em que apenas o grego Emmanouil Karalis ainda não quedava eliminado, Duplantis falhou inusitadamente a primeira tentativa aos 6.10 metros, erro prontamente corrigido no salto seguinte. Karalis passou os 6.05, recorde pessoal e nacional grego. Em qualquer outra situação na história dos campeonatos da Europa ou do Mundo, um salto de 6.05 teria dado para o ouro, só que Karalis teve o azar de nascer na mesma era de Armand Duplantis, que, estando presente, não perde uma final numa grande competição desde 2019.
Depois de chegar aos 6.15 e ver Karalis falhar uma desesperada tentativa de passar essa fasquia, Duplantis arrumou a mala e foi à sua vida. Podia, mas não tentou voar mais alto. Talvez lhe tenha bastado outra marca digna do atleta extraordinário que é: Nanjing assistiu ao 100.º salto de Mondo acima dos 6 metros. As comparações existem também para nos deixar de queixo bambo quando há razões para tal e a comparação que importa é esta: Sergey Bubka, o enorme Sergey Bubka, recordista mundial durante quase 30 anos entre 1984 e 2014, fê-lo apenas 46 vezes.