De acordo com a organização do certame, em comunicado hoje divulgado, a decisão de homenagear Kim Novak com o Leão de Ouro de Carreira foi tomada pelo Conselho de Administração da Bienal de Veneza, sob recomendação do diretor artístico do festival, Alberto Barbera.

A atriz que protagonizou "A Mulher que viveu duas vezes", de Alfred Hitchcock, ao aceitar a atribuição do prémio, declarou, citada pelo comunicado do Festival de Veneza: "Estou profundamente comovida por receber o prestigioso Leão de Ouro de um festival de cinema tão respeitado. Ser reconhecida pelo meu trabalho nesta fase da vida é um sonho tornado realidade. Irei valorizar cada momento em Veneza. Encherá o meu coração de alegria".

Alberto Barbera justificou a escolha com uma reflexão sobre a carreira da atriz, que considera ter-se tornado, "quase sem querer, uma lenda do cinema".

Ícone de uma era de ouro de Hollywood, destacou-se desde a sua estreia na década de 1950 até ao seu afastamento voluntário do mundo do cinema. Recusou-se a ser moldada pelos estúdios, escolheu os seus papéis, protegeu a sua vida privada e lutou para manter o seu apelido artístico, destacou.

"Independente e inconformista, criou a sua própria produtora e fez greve para renegociar o salário, significativamente inferior ao dos seus colegas homens. Graças à sua beleza exuberante, à sua capacidade de dar vida a personagens ingénuas e discretas, mas também sensuais e atormentadas, e ao seu olhar sedutor, por vezes melancólico, conquistou o respeito de grandes realizadores como Billy Wilder, Otto Preminger, Robert Aldrich, George Sidney e Richard Quine, mas a sua imagem ficará para sempre ligada a Alfred Hitchcock, com quem protagonizou o emblemático 'Vertigo'[em Portugal exibido como 'A mulher que viveu duas vezes'], o papel da sua vida", acrescentou o diretor artístico.

Ainda nas palavras de Alberto Barbera, este Leão de Ouro pelo conjunto da carreira celebra uma "estrela emancipada, uma rebelde no coração de Hollywood que iluminou os sonhos dos amantes de cinema antes de se retirar para o seu rancho no Oregon, onde se dedicou à pintura e aos seus cavalos".

Durante o festival será apresentada, em estreia mundial, a longa-metragem documental "Kim Novak's Vertigo", de Alexandre Philippe, realizada em colaboração exclusiva com a atriz.

Considerada uma das maiores estrelas de bilheteira do mundo entre 1958 e 1960, Kim Novak trabalhou com realizadores como Joshua Logan, Otto Preminger, George Sidney, Billy Wilder. É reconhecida por filmes como "Picnic" (1955), "The Man with the Golden Arm" ("O Homem do Braço de Oiro", 1955), "Pal Joey" ("O Querido Joey", 1957), "Vertigo" (1958), "Bell, Book and Candle" ("Sortilégio de Amor", 1958), "Kiss me, stupid" ("Beija-me, idiota", 1964).

A atriz destacou-se pela sua autenticidade e pela recusa em aderir aos padrões de interpretação da época.

Embora inicialmente tenha sido subestimada pela crítica, a sua obra foi posteriormente reavaliada e valorizada pela sua relevância artística.

Kim Novak foi a primeira mulher em Hollywood a fundar a sua própria produtora, em 1958, numa tentativa de obter maior controlo sobre a sua carreira, recusando ser uma "marioneta" nas mãos de outros produtores, como Harry Cohn, que chegou a dizer que "fabricou Novak para deixar Rita Hayworth nervosa".

Apesar de ter sido moldada inicialmente como símbolo de 'glamour' pelos estúdios, Kim Novak optou por abandonar a fama, para seguir uma vida mais autêntica e dedicada às artes visuais.

Nos últimos anos, os críticos reavaliaram a sua carreira e reescreveram com entusiasmo as suas opiniões sobre as suas atuações, e Novak tornou-se uma lenda viva, conquistando o seu lugar na história, com o respeito e admiração tanto da crítica especializada como da indústria cinematográfica.

Ao longo das últimas décadas, foi homenageada nos principais festivais como Cannes, Toronto, Praga e Berlim. Em 2003, recebeu o Eastman Kodak Archives Award pelo seu contributo para o cinema.

Após abandonar o cinema, dedicou-se à pintura e à poesia, e vive atualmente no Oregon, onde continua ativa artisticamente.

A sua obra visual tem sido exposta em museus nos Estados Unidos e na Europa, incluindo o Butler Museum of American Art e o Museu Nacional de Praga.

Kim Novak nasceu em Chicago, em fevereiro de 1933. Afastou-se de Hollywood ainda na casa dos 30 anos, surgindo a partir de então em produções pontuais, muitas de caráter independente e como atriz convidada. "Liebestraum", de Mike Figgis (1991) é um dos seus últimos filmes.

Quando abandonou a indústria cinematográfica, instalou-se numa casa junto a uma falésia, na Califórnia, onde começou a desenvolver os seus talentos artísticos como pintora.

Em 1965, casou-se com o ator britânico Richard Johnson, de quem se divorciou um ano depois e, após muitos anos a viver sozinha, casou-se com o veterinário equino Robert Malloy, com quem criou um rancho nas margens do rio Rogue, no sul do Oregon, onde ficaram a viver juntos, respeitando e cuidando da natureza, que exploravam a cavalo, acompanhados por cães e outros animais.

Quando o marido morreu, por cancro, em 2020, Kim Novak passou a dedicar-se ainda mais à pintura e à escrita de poesia, e continuou a cavalgar o seu cavalo favorito e a partilhar a sua casa com os seus três cães resgatados.