
“Castelinho empoleirado que deixa memória, aberto todo o dia com acesso fácil para quem anda a pé, onde corre a brisa fresca da serra de São Mamede e possibilita boas fotos sobre o vale”, assim descreve uma visitante a experiência vivida no castelo de Alegrete, datado do século XIV.
Estamos em Alegrete, no Alto Alentejo, uma aldeia do concelho de Portalegre e porta de entrada no Parque Natural da Serra de São Mamede. Aqui, a terra e o céu do Alentejo encontram-se naquele que é o pico mais alto da região, com o marco geodésico a assinalar 1.025 metros de altitude. A partir do pico de São Mamede, o Alentejo estende-se quase sem fim, alcançando facilmente as reais terras espanholas, com a garantia de que olhos treinados em dias limpos alcançam a silhueta da serra da Estrela. Mais perto, o recorte quase mágico de Marvão e o azul da barragem da Apartadura.
Cheia de graça e poesia
Aldeia conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques, alegrete desperta a paixão traduzida no hino próprio que o professor de música António Fernandes Delicado, filho da terra, não hesita entoar “Alegrete é linda terra; cheia de graça e poesia; encanta-nos a sua serra; com sua doce harmonia”. Apesar de ter “deambulado uns anos por fora”, António Fernandes teve sempre “o coração em Alegrete”. Justifica com “o casario branco e limpo, o castelo no topo da colina que proporciona a visão deslumbrante de uma paisagem paradisíaca, a generosidade das gentes, apaixonadas pela terra e pela Filarmónica e que primam pelo bem receber, a gastronomia, a doçaria e os bons vinho e muito mais”.
Alegrete é aldeia alentejana encaixada no Parque Natural da Serra de São Mamede, cuja existência remonta ao Paleolítico, conforme pinturas rupestres descobertas na Ermida da Senhora da Lapa. Foi, ao longo dos séculos, uma das principais sentinelas da linha de defesa do Alentejo. Nesta viagem a Alegrete não pode perder a visita ao castelo, assim como à torre do relógio, à igreja Matriz, à igreja da Misericórdia, ao antigo edifício da Câmara Municipal e ao coreto. Almoce no Snack-bar O Lagar (tel. 245965228). Entre os dias 18 e 20 de julho, no largo do Espírito Santo, decorre mais uma edição da Feira de Artesanato e Gastronomia da Freguesia de Alegrete.
Siga o trilho PR3 – PTG – Percurso Pedestre de Alegrete, que parte da ladeia e continua pelo Parque Natural da Serra de São Mamede, criado em 1989. Ao longo de perto de 11 km encontra açudes, levadas, estevais, cerejeiras e amieiros.
Cascata do Pego do Inferno
O Alto Alentejo apresenta um contexto paisagístico muito peculiar, em particular o Parque Natural da Serra de São Mamede. Descrita por muitos como “uma pérola por descobrir”, a cascata do Pego do Inferno, está localizada no limite da freguesia de Alegrete.
“É de fácil acesso, porque está bem perto da estrada e é um sítio agradável para tomar banho”, informa Miguel Cardoso, irmão do proprietário do Bar do Açude da Ribeira (tel. 245580116), a pouco mais de 1 km da queda de água. Para lá chegar, conduza na N246 e, próximo de Arronches, dirija-se a Mosteiros. Esta estrada encaminha para a M517. “Depois da pandemia, a Câmara Municipal de Portalegre mandou construir um passadiço, para melhorar o acesso à cascata do Pego do Inferno”, revela. O novo passadiços liga a estrada velha à margem da ribeira de Arronches, onde está a queda de água, que “forma uma círculo rodeado por rochas, de onde saltávamos para a água. Há rochas com quatro e cinco metros de altura”, continua Miguel Cardoso, que, na infância, mergulhava nas águas cristalinas deste lugar.
Águia de Bonelli, símbolo majestoso
Refira-se que, no Parque Natural da Serra de São Mamede, 800 espécies de plantas partilham terra com anfíbios e répteis. Esta é a zona do país com maior número de espécies de anfíbios e répteis, incluindo o lagarto-de-água, o sapo-parteiro-ibérico, o tritão-deventre-laranja, mas sobretudo os cágados, ameaçados pela captura para fins comerciais, como o de carapaça estriada e o mediterrânico.
Já nas aves, as águias de Bonelli (símbolo do parque), abutres pretos e bufos reais sobrevoam este pedaço de céu do Alentejo. A área protegida com cerca de 56 mil hectares integra parte dos municípios de Arronches, Castelo de Vide, Marvão e Portalegre. É possível, por vezes, avistar um javali ou um veado, agora regressados à serra depois de um esforço de reconstituição dos respetivos habitats. A vegetação rica, é marcada por carvalhos, castanheiros, sobreiros e azinheiras.
Rota do Contrabando
São rotas misteriosas, estas do contrabando em contexto raiano. Desconhecem-se os trilhos exatos por isso o município de Portalegre ainda não “criou” um percurso alusivo ao tema. No entanto, segundo relatos das pessoas mais velhas de Alegrete e de São Julião, freguesias que fazem fronteira com La Codosera e La Rabaza, em Espanha, durante muito tempo, as deslocações clandestinas, eram prática quase diária. Entre 1930 e 1980, a aldeia de Alegrete reúne as condições ideais para o desenvolvimento desta atividade: situada junto à fronteira com Espanha; cercada de serranias com mato espesso, escarpas e lapas em abundância, oferecia “o cenário ideal para o jogo do gato e do rato entre contrabandistas e autoridades”.
Para o país vizinho carregava-se especialmente ovos, galinhas, e, com maior preponderância, o café, escasso e bastante apreciado pelos espanhóis”. Tão importante que “em 1943 se fundou em Alegrete uma torrefação de café”. Traziam de Espanha tecidos, calçado, carne, borrachas, loiças e animais vivos. “Segundo relatos de antigos contrabandistas, chegaram a atravessar a fronteira rebanhos de dezenas de cabras e ovelhas”.
Em Alegrete, a principal Rota do Contrabando passava pelas imediações da Ermida de Nossa Senhora da Lapa. Alguns contrabandistas, quando perseguidos, utilizavam o espaço para esconder as cargas e, movidos pelo desespero e pela fé, oravam à Santa: “Senhora da Lapa, Senhora minha, Guardai a mim e à minha carguinha”. Este percurso proporciona um ambiente único em que a natureza na forma mais pura se junta à animação das histórias que se contam, passa pelo Alentejo e chega à Extremadura, por trilhos silenciosos e estradas de contrabandistas, marcando uma época e memórias inesquecíveis, que ilustram o modo de vida e a identidade cultural do povo da raia.